Três meses antes da Maratona Olímpica, a 10 de agosto, onde a lenda queniana de 39 anos procurará a sua terceira medalha de ouro e a entrada definitiva no Olimpo, Kipchoge está pronto para começar a sua "longa corrida" semanal.
De boné e luvas, para se proteger do chuvisco e da manhã fresca, Kipchoge lidera o grupo de atletas composto por residentes do campo desportivo, incluindo a estrela da corrida de meia distância Faith Kipyegon, mas também por corredores locais desconhecidos que vêm na esperança de serem vistos pelos treinadores.
O programa do dia consiste em 30 quilómetros de corrida em estrada.
Os atletas saem dos trilhos de terra vermelha que atravessam a floresta que rodeia o acampamento, enlameados pelo dilúvio de chuva que tem caído no país africano no último mês.
"A natureza está a dizer-nos 'não'. E di-lo bem alto", brinca Patrick Sang, o seu treinador de longa data.
Ao longo dos quilómetros, o pelotão estica-se até se dividir em vários grupos.
Apenas o carro dos treinadores, com Patrick Sang e o campeão olímpico de 2008 dos 3000 m de obstáculos Brimin Kipruto, protegia os corredores dos camiões e dos matatus (táxis coletivos) que os ultrapassavam a toda a velocidade nas estradas ondulantes.
No grupo da frente, impassível, Kipchoge soma quilómetros a um ritmo constante. Vai terminar os 30 km na liderança, juntamente com outros seis corredores, em uma hora e 40 minutos.
"Jogos cruciais"
"Sinto-me bem, mas os próximos meses vão ser ainda mais interessantes", diz o ícone do atletismo queniano em entrevista à AFP no final da sessão de treino.
O duplo campeão olímpico da disciplina (2016, 2021) iniciou o último bloco de preparação que o deverá levar a tentar alcançar o objetivo de uma vida: "Tornar-se o primeiro ser humano a vencer três vezes consecutivas" a maratona olímpica, ultrapassando o etíope Abebe Bikila (1960, 1964) e o alemão Waldemar Cierpinski (1976, 1980).
"Estes Jogos são cruciais", resumiu.
Para o homem considerado o melhor maratonista da história, os títulos olímpicos são "mais importantes do que os majors", em referência às seis grandes maratonas que se disputam anualmente e nas quais já venceu onze vezes desde 2014 (cinco em Berlim, quatro em Londres, uma em Tóquio e uma em Chicago).
A sua ambição mantém-se intacta, apesar dos seus dois maus resultados na Maratona de Boston em 2023 (6.º) e em Tóquio em março passado (10.º), após os quais foi criticado.
"Já tenho idade suficiente para saber lidar com as contrariedades. Sei que o desporto não consiste necessariamente em obter bons resultados todos os dias", defende-se.
O seu 10.º lugar em Tóquio foi motivado "pelo cansaço", explica Kipchoge, que reconheceu o traçado da Maratona Olímpica de Paris, desfavorável às suas condições, segundo os especialistas.
"Estou a trabalhar as subidas e as descidas, mas, sobretudo, quero estar suficientemente preparado fisicamente", explicou.
"Ele já está em Paris"
Para atingir o seu objetivo, aposta na sua vida ascética e na sua força de trabalho que o levaram ao topo da sua disciplina.
"Eliud é muito constante (no trabalho), mas a forma como se concentra para Paris é outra coisa", garante Victor Chumo, membro da equipa que o ajudou a ultrapassar a mítica barreira das duas horas (1h59:40) em 2019, uma marca que não foi homologada por ter sido organizada pelo seu patrocinador.
"Ele é ainda mais agressivo na sua preparação do que nos anos anteriores. A forma como treina, como descansa, como chega mais cedo ao acampamento... Isso mostra que está à procura de algo realmente especial", acrescenta.
"O seu espírito já está em Paris", afirma Daniel Mateiko, um jovem e promissor corredor queniano de longa distância que treina ao lado de Kaptagat.
A sua preparação foi também marcada pelo ritmo dos testes antidoping, que a federação queniana reforçou face à pressão dos organismos internacionais.
"Este ano são mais frequentes", admite Kipchoge, que diz ter sido testado "todas as semanas", enquanto noutras épocas era "uma ou duas vezes por mês".
A contagem decrescente começou para este atleta, antes daqueles que deverão ser os seus últimos Jogos, embora garanta que não está a pensar nisso: "Tudo a seu tempo".
O seu regresso à capital francesa está carregado de simbolismo. Foi lá que conquistou o seu primeiro título mundial, em 2003, com 18 anos, ao vencer os 5000 metros contra duas lendas da distância, o marroquino Hicham El Guerrouj e o etíope Kenenisa Bekele.
"Foi em Paris que começou a minha carreira de atleta", afirma.